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sexta-feira, 6 de setembro de 2013



Se sente desejo
você corre riscos,
copo e corpo cobertos de borrões de batom.
E eu risco papéis,
cadernos cobertos de borrões e rabiscos.
você, gozo.
eu, esboço.
Quando acaba, suspiramos:
você, de prazer
eu, de alívio.
Tua ressaca: de trejeitos e tragos
Minha ressaca: de traços em papéis destruídos
Nossa intersecção: o estrago.


Concentrado no guardanapo que rabiscava feito louco, olhos expressivos, você me pareceu o tipo de pessoa que chora só de olhar uma pintura, o tipo de pessoa que entende. Aí eu puxei uma cadeira, sentei do teu lado, imitei o silêncio de alguma arte muda, querendo que você me entendesse. Você falou por uma hora inteira e perguntou se eu não ia falar nada, não respondi. Antes de ir embora, te entreguei uma reprodução minha em forma de arte muda pra você guardar e, quem sabe, chorar de vez em quando. Entre conversar comigo e com uma fotografia não há muita diferença, mas ninguém critica o silêncio da fotografia. No verso, escrevi aquela frase do Leminski “repare bem no que não digo”.

Queria que você me fizesse audível, que criasse um portfólio combinando minhas expressões vazias com teus poemas de guardanapo, que fossem poemas escritos apenas com aquelas palavras cujo significado parece ser o oposto da sonoridade, porque é assim que eu descobri que você é: feito as palavras que eu uso achando que significam uma coisa e descubro que significam o contrário. Você deturpa minhas frases.

Quando fui ao teu apartamento, minha foto estava emoldurada em um porta-retrato. Você me pediu desculpas por ter cortado um pedaço pra foto caber naquela moldura de falsa felicidade. Eu disse que tudo bem, já me cortaram pedaços antes, e te agradeci.
Você me entregou outra reprodução minha em arte muda, um desenho da foto que eu te dei. Os traços do meu rosto ilustrados por traços vindos dos teus dedos. Desenhou em mim um meio sorriso que não existia na imagem real, e eu te agradeci por isso também. Teu apartamento de solteiro parecia ter sido desenhado por você, cheio de meios sorrisos onde eu sabia que não existiam. No chão frio, no cinzeiro, no violão largado na cama vazia, nas poesias rabiscadas na parede. Pediu desculpas e disse que não desenhava muito bem, eu disse que tudo bem, que de todos os contornos de meio sorrisos que eu já fingi na vida, aquele foi o mais bem delineado. Você tirou a foto do porta-retrato e me entregou mostrando a frase no verso, “repare bem no que não digo”. Seguiu-se o diálogo:

- O silêncio do outro é sempre língua estrangeira e ninguém ta a fim de fazer esforço pra traduzir ninguém. Se você não fala nada, as pessoas vão embora. Acho bom você começar a falar porque eu ando meio cansado ultimamente. Alguém já te disse que esse teu silêncio machuca?

- Meu silêncio não é maldade, é covardia. As pessoas podem te acusar de todas as palavras que você já falou, mas não podem me acusar do meu silêncio. Ou até podem, mas silêncio doe bem menos que palavras quando jogam de volta na tua cara.

Você disse “eu te amo, porra”. Eu respondi que nesse tempo que fiquei sem te ver, andei pesquisando e descobri que o significado dessa frase é bem diferente da sonoridade, e que eu estava meio cansada ultimamente pra tentar traduzir o que queria dizer dessa vez, mas sabia que era alguma coisa como “em algum momento um de nós irá fazer o outro de otário”. Pedi desculpas e disse que tinha que ir embora, você disse que tudo bem, que era viciado em melancolia e que só precisava de alguém que aparecesse de vez em quando com a gentil crueldade de transformar aquela arte muda dentro de você em algo sonoro, que ainda tinha muito espaço sobrando na parede pra preencher com poesia, e me agradeceu.

sexta-feira, 12 de julho de 2013



Você fumava cigarros contando drama,
tuas verdades não eram menos embaçadas que a fumaça
nem eu menos pálida
nem você menos passageira.
Fumava cigarros confundindo desilusões
as minhas, as tuas
e tragava fragilidade
a minha, atua
encenando pra ser digna
de fazer parte dos teus dramas.

Emocionalmente fodida,
você me envolvia em fumaça
palavras premeditadas
e toques aparentemente acidentais,
tudo previamente planejado
pra me entorpecer.
E eu, por ser leve como um cigarro,
você manipulava entre os dedos
me levando à boca
de vez em quando
que era pra alimentar meu vício
enquanto alimentava o teu.

O que sobrava de mim,
ex-trago,
era arremessado
da janela do 5° andar
do teu apartamento.
Estrago.

Poluindo o ambiente
porque nunca foi seu dom preservar.
E o que eu aprendi aqui,
no chão sujo dessa parada de ônibus,
é que todo mundo fala mal
de quem joga restos no chão
mas todo mundo pisa
e ninguém apanha.

Pisa até quem,
nessa vida,
já foi bituca
de alguém.

sábado, 6 de julho de 2013



Lembra quando você interpretava meu silêncio como mistério
e eu interpretava teu olhar perdido como um universo paralelo?

Era só meu medo de te falar
Era só teu medo de me olhar.

E o mistério foi parar num universo paralelo...
nos abandonamos.

Não preciso que tu combine comigo,
apenas que descubra minha combinação.
Ando precisando mesmo é de ser decifrada.
E se não puderes me compreender,
que ao menos compreenda
o que é ser incompreendida
e me ofereça,
senão o código do que não digo,
ao menos um abraço:
Compartilhamento da mútua incompreensão.


Porque tua pele não sabe de nada, 
tua pele não entende,
tua pele é indiferente.
Mas conforta meu apelo.

Tua pele não decifra 
a cifra 
dessa minha canção deprimente.

Tua pele não decodifica, mas fica,
por favor, fica.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Trato pessoas
como poemas alheios:
Decifro como quero
Finjo que me identifico
Distorço com devaneios.

Escolho papéis e semblantes
dentre poemas e pessoas
para atuar papéis semelhantes
na minha peça de ficção
intitulada Proposital Ilusão.
A culpa é minha
se todos mentem;
Os personagens, eu quem criei
as ilusões, igualmente.

Crio atributos inexistentes,
mal ornamentos.
Penso que acrescentar sinônimos
a seres anônimos
não altera seus significados.
Continuam com o mesmo
conteúdo semântico;
já o sentimental,
nem tanto.

Assim vou lendo pessoas,
com a falsa erudição
de palavras distorcidas
e com a dissimulação
das minhas próprias frases
mal escritas
(porém bem vestidas
de uma irrealidade despida,
desavergonhada).
Palavras inseridas em corpos
de pessoas desavisadas,
mal sabem que são habitadas
por ilusórias e invasoras 
investidas.

Mas já que tudo que é forjado
é tão sujeito a inconstâncias,
quando as palavras
dos poemas alheios
caem em dissonância,
faço um cobertor
das folhas rasgadas
e adormeço
no colo
de palavras e pessoas
editadas,
adulteradas.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Já não sinto a tua falta
Porque ela não é tua,
É só minha.
O que eu sinto é a falta
Que eu já não te faço.
Falta de fazer falta.








Sinto saudade de sentir
A tua saudade
De mim.




Se falta você me faz,
Então falta eu sou
E nada mais (  ).

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Queria que meus soluços
Fossem dessa saudade
A solução,
Mas você é os meus soluços
Por eu não ser nem um pouco
da tua solidão.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Teus caminhos.

Você me intimida
desviar meu ar                     
Por isso, 
vou me desviar
de você.

Vou te deixar
vou virar
na primeira curva
que eu encontrar...
                               












                                



    
               ... Em teu corpo.